Abstract: Cine-Mnemosyne debruça-se sobre a obra do já referido artista Ernesto de Sousa. Mais concretamente em torno da película Dom Roberto. Um filme que estreou em 1962, em pleno regime ditatorial português e que foi considerado no país como um ponto de rutura em relação à restante produção cinematográfica propagandística de então. Pois na película, que perpassa a história de um vagabundo sonhador e construtor de fantoches lisboeta, verifica-se, segundo Pina (1986), muito do neorrealismo italiano e anuncia-se o primeiro filme de um cinema novo. O que à época apenas foi possível muito graças a fontes de financiamento privadas (através da “Cooperativa do Espectador”, a “Imperial Filmes” e a “Ulisseia Filmes”), dado que, tal como não poderia deixar de ser, os seus produtores se alhearam de recorrer ao Fundo de Cinema Estatal, que era o mais usual.
Para além de constituir uma homenagem, a escolha do filme Dom Roberto fundamenta-se por representar o espírito de rutura que caracteriza a restante obra de Ernesto. Um distinto ponto de referência para dar início à criação de uma nova forma de fazer cinema que, desta feita, se define em experiências multidimensionais resultantes da apropriação de determinados locais (as ruas de Lisboa) e das memórias cinematográficas ligadas aos mesmos. Para tal, confrontando a ficção com a realidade e o tempo da narrativa fílmica com um novo tempo que emerge e resulta da experiência interativa com o público.
Keywords: Realidade aumentada, Cinema, Arte e Tecnologia, Narrativas Interativas.
Uma narrativa baseada na coleção de memórias cinematográficas. Como consequência, haverá tantas coleções quanto utilizadores/investigadores existirem, conferindo aos locais outras memórias (estruturadas em correlações visuais dispostas em elementos de RA) dinâmicas, subjetivas e em constante mutação.
Com “Cine-Mnemosyne”, se não concluirmos que desaparece, o espaço imersivo da sala cinema sofre, no mínimo, uma mutação e amplifica-se. Podendo ser “total” sem as restrições da sala clássica, pois a condição inerente à sua experimentação é a “navegação
sem limites”, por um tempo que não passa, mas que se conserva como virtualidade disponível, em todos os seus pontos, para atualizações diversas.
Confrontada a imagem em movimento com o próprio local da filmagem, podemos verificar que o filme, na sua renovada disposição, assume contornos idênticos aos da memória. O que se vê no ecrã já não existe e o ato da sua fruição situa-se além da própria “imagem-tempo” de Deleuze (1985). Ou seja, efetua-se mediante uma dupla apresentação direta do tempo. O que temos são camadas de memórias onde a imagem cinematográfica interrompida apenas serve de pretexto para uma reflexão em torno de uma nova imagem que emerge com esta tecnologia: a “imagem-tempo-lugar”. Pois não estamos mais apenas perante a “imagem-movimento”, como acontecia no cinema clássico e onde se verificava um esforço em prolongar as imagens segundo um sistema que parecesse normal ao espectador (tentando representar ou reproduzir um real já pronto), nem apenas perante a “imagem-tempo” argumentada por Deleuze (1985), de onde emergem espaços desativados que promovem um interpretação individual do sentir, bem como do agir, que se liberta das personagens e é delegada ao espectador.
O tempo, que era a matéria-prima do cineasta, deixa de ser trabalhado isoladamente e passar a ser esculpido considerando simultaneamente o espaço. Muito mais que do que a mera representação do mundo (se alguma vez existiu essa possibilidade), temos antes uma nova e poderosa ferramenta para a sua vivência que, inclusive, futuramente poderá privar o público da sua capacidade de distinguir a realidade da ficção.
Portanto, em “Cine-Mnemosyne” a cronologia de Dom Roberto é corrompida, não há a ordem cronológica para os acontecimentos definidos por Ernesto de Sousa. Para lá da interrupção da narrativa do filme, temos a narrativa do local a ser experienciado como dupla fonte realidade. A ser aceite como real, também ela temporária. Contudo, o objetivo não é descobrir ou resgatar o real, mas sim produzi-lo, num novo exercício de subjetivação, “colocando o utilizador ativo dentro do espaço da imagem e convertendo o local da contemplação em espaço de imersão” (Bernardino, 2012, p. 1259).(112)
Local: Lisboa (2013).
Esta instalação deu origem à seguinte publicação:
Eliseu, S., Bastos, P. (2013). Cinemnemosyne. In: Avanca | Cinema 2013. Avanca: Edições Cine-Clube Avanca. PP. 1193-1198.